"Em círculo, somos todos iguais. Quando estamos em círculo, ninguém está à sua frente, nem atrás, nem acima e nem abaixo.
Um Círculo Sagrado é feito para criar Unidade. O Elo da Vida também é um círculo. Nesse elo há espaço para cada espécie, cada raça, cada árvore e cada planta."
Dave Chief, Oglala Lakota

quinta-feira, 23 de outubro de 2014

UM DEUS À MEDIDA

A Missa de abertura, na Basílica Vaticana, no dia 5 de Outubro de 2014, deu início ao Sínodo Extraordinário sobre a família, convocado pelo Papa.
Da Homilia do Papa Francisco destaco os seguintes excertos:


Sínodo dos Bispos

" A vinha do Senhor é o seu «sonho», o projecto que Ele cultiva com todo o seu amor, como um agricultor cuida do seu vinhedo. A videira é uma planta que requer muitos cuidados!"

"Através da sua parábola, Jesus dirige-se aos sumos sacerdotes e aos anciãos do povo, isto é, aos «sábios», à classe dirigente. Foi a eles, de modo particular, que Deus confiou o seu «sonho», isto é, o seu povo, para que o cultivem, cuidem dele e o guardem dos animais selvagens. Esta é a tarefa dos líderes do povo: cultivar a vinha com liberdade, criatividade e diligência.

Mas Jesus diz que aqueles agricultores se apoderaram da vinha; pela sua ganância e soberba, querem fazer dela aquilo que lhes apetece e, assim, tiram a Deus a possibilidade de realizar o seu sonho a respeito do povo que Ele escolheu."
A tentação da ganância está sempre presente. (...) Ganância de dinheiro e de poder. E, para saciar esta ganância, os maus pastores carregam sobre os ombros do povo pesos insuportáveis, que eles próprios não põem nem um dedo para os deslocar (cf. Mt 23, 4).
Também nós somos chamados a trabalhar para a vinha do Senhor, no Sínodo dos Bispos. As assembleias sinodais não servem para discutir ideias bonitas e originais, nem para ver quem é mais inteligente… Servem para cultivar e guardar melhor a vinha do Senhor, para cooperar no seu sonho, no seu projecto de amor a respeito do seu povo. Neste caso, o Senhor pede-nos para cuidarmos da família, que, desde os primórdios, é parte integrante do desígnio de amor que ele tem para a humanidade.
Nós somos todos pecadores e também nos pode vir a tentação de «nos apoderarmos» da vinha, por causa da ganância que nunca falta em nós, seres humanos. O sonho de Deus sempre se embate com a hipocrisia de alguns dos seus servidores. Podemos «frustrar» o sonho de Deus, se não nos deixarmos guiar pelo Espírito Santo.(...)"

Como não poderia deixar de ser, este Sínodo e os seus primeiros relatórios ou conclusões têm tido a cobertura dos diversos meios de comunicação social, nacionais e estrangeiros. Abaixo destaco alguns excertos das publicações de dois deles;



Família
"O Sínodo dos Bispos sobre a Família, convocado pelo Papa Francisco, aprovou (...) um relatório final, sem que tenha sido alcançado um acordo em relação aos casos de divórcio e aos homossexuais.
(...) o porta-voz do Papa, padre Frederico Lombardi, disse que o relatório final foi "reequilibrado" para ter em conta a relutância dos prelados mais conservadores.

O relatório faz um inventário dos problemas diversos da família nos cinco continentes, como o acolhimento pela Igreja dos casais em união de facto, homossexuais ou divorciados.

Foram 183 os bispos que participaram na votação de cada um dos 62 parágrafos do relatório. Para serem aprovados, têm de reunir a votação favorável de dois terços.
Três dos pontos não obtiveram essa maioria qualificada e dizem respeito ao acesso aos sacramentos por divorciados que voltaram a casar-se e ao acolhimento dos homossexuais.
in Público



"Para se identificar com toda a sociedade, resta à igreja um meio: em vez de impor as suas doutrinas, acolher as atitudes da sociedade, o que, em geral, consistirá em perfilhar, reinterpretando-as em termos religiosos, as últimas inclinações da legislação estatal ou dos programas televisivos da manhã. Se os fiéis não vão a Roma, vai Roma até aos fiéis. O problema é que, por esse caminho, a igreja pode rapidamente deixar de representar a continuidade apostólica, para cair numa “espiritualidade” de supermercado, em que cada um escolhe o que, naquele dia, mais lhe convém." Rui Ramos, "O dilema da igreja católica" in Observador


A história das religiões e particularmente a da Igreja Católica, que tem mais de dois mil anos de existência, revela-nos que nem sempre os "sábios" têm respeitado o sonho de Deus e que, movidos pela ganância e pela sede de poder, têm muitas vezes negligenciado, maltratado   e, mesmo, tentado destruir a Sua "vinha".
Embora a Igreja e, particularmente, as Misericórdias tenham tido e continuem a ter um papel fundamental no bem-estar das sociedades, protegendo e auxiliando os mais indefesos e necessitados, o Vaticano foi, desde sempre, uma organização poderosa que durante vários séculos dominou ou tentou dominar o mundo politica e financeiramente, utilizando para tal a sua suposta prerrogativa  de representantes de Deus na Terra.
Muita da história, ou histórias do Vaticano não são edificantes, nem têm dignificado a Igreja. Demasiadas vezes, a sua postura, ações ou exemplos não reproduziram os ensinamentos de Cristo, pelo contrário. foram profundamente antagónicas ao seu ensinamento principal, o Mandamento Novo, "Amai-vos uns aos outros como eu vos Amei".
Os rituais, obrigações e leis da Igreja, produzidas no Vaticano são, na sua grande maioria, apenas dogmas e leis criadas pelos homens da Igreja, pouco ou nada tendo a ver com a Mensagem de Cristo.
É certo que a Igreja tem sido obrigada a evoluir, pois de outra forma teria ficado completamente desfasada e afastada das características da sociedade em que pretende manter-se inserida.
Mas, infelizmente, sempre que é eleito um Papa que trás uma lufada de ar fresco à Igreja, um sopro de modernidade e humanidade, a oposição que lhe é feita, pelos velhos e poderoso Bispos que o rodeiam, é violenta e determinada.
Estes homens que vivem protegidos na redoma dourada do Vaticano, presos a dogmas e preconceitos ou entretidos em jogos de poder e que pouco ou nada sabem da vida real, não querem, de forma alguma, perder os seus privilégios, nem os últimos resquícios de poder que têm sobre a humanidade.


Papa João XXIII
As tentativas de modernização, humanização e aproximação da Igreja aos fieis, propostas pelo Papa João XXIII, no concílio Vaticano II, tiveram forte oposição por grande parte destes duros e poderosos "Velhos do Restelo", ainda que parte das suas ideias tivessem vindo a ser implementadas já por Paulo VI.
Hoje, a Igreja Católica vive a sua maior e mais complexa crise. A eleição do Papa Francisco foi, certamente, uma tentativa de tentar aproximar a Igreja dos homens, pois cada vez estes se encontram mais afastados e indiferentes às leis e determinações do Vaticano.


Papa Francisco

Mas, o Papa Francisco é um homem diferente, de vistas largas e sem os vícios do quotidiano do Vaticano. Assim, as suas ideias progressistas relativamente à Família, ao novo paradigma da Família, não foram, nem poderiam ter sido, bem aceites pelos bispos retrógrados e arreigados às velhas normas do "sempre foi assim".
Resta-me a esperança de que Francisco, o homem, e Francisco o Papa, tenha a coragem, a força e o apoio para cuidar da Vinha e dar um novo alento, uma nova vida ao Sonho de Deus. 
Contrariamente  a Rui Ramos, espero que a espiritualidade não passe a ser de "supermercado", em que cada um decide arranjar um Deus à sua medida, conforme lhe der mais jeito, em função das suas conveniências. 
Espero, antes, que a espiritualidade se transforme em algo mais consciente e responsável, sem ser condicionada por leis e dogmas inventados pelos homens, ou pelo medo da ira divina, pelo pavor do Inferno, pelo fardo do pecado.
Uma espiritualidade consciente não é matemática ou contabilística, não se baseia em medos, sentimentos de culpa, ou leis desfasadas da realidade. 
A espiritualidade consciente é a entrega, é o abrir do coração ao Amor, à Esperança, à Fraternidade, à Tolerância.
A espiritualidade consciente acontece quando o Homem procura, todos os dias, crescer, transcender-se, tornar-se uma pessoa melhor. 

Informações e links úteis
O Sínodo dos Bispos, foi criado pelo Concílio Vaticano II (1962-1965), e é uma reunião de vários dias, convocada pelo Papa, com Bispos convidados do mundo inteiro, para tratar de determinado assunto da Igreja, de doutrina ou de pastoral (família, Eucaristia, sacerdotes, etc). Há os Sínodos ordinários a cada quatro anos e os extraordinários que o Papa convoca em qualquer altura. Após o Sínodo o Papa emite um documento chamado Exortação Apostólica onde resume e aprova as principais conclusões a que os Bispos chegaram.

SYNODUS EPISCOPORUM

HOMILIA DO PAPA FRANCISCO

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